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Como começou

Por Patricia Almeida

   Em 2018, voltei para o Brasil depois de uma temporada no exterior e matriculei minha filha caçula, que tem síndrome de Down, na escola pública. Tínhamos passado os últimos anos em Genebra, e ela estudou com professores particulares pois na Suíça, por incrível que pareça, ainda não há escolas inclusivas. Por um lado estava super feliz em poder voltar ao meu país pra minha filha ter acesso ao ensino inclusivo, que as pesquisas mostram que é melhor não apenas para ela, como para todos os estudantes e a comunidade escolar.  

   Por outro lado, entrei em pânico, pois minha filha não tinha tido a oportunidade de conviver com colegas da sua geração e não estava preparada para algumas situações da vida. 

   Daí eu pensei: "Ela precisa aprender a se defender"

   Se pais de crianças sem deficiência perdem o sono com medo de violência sexual, o pavor de quem tem filhas com deficiência intelectual e dificuldade de comunicação é ainda maior. A vulnerabilidade é enorme, então comecei a pesquisar para montar uma cartilha que unisse educação e autoproteção. Desde que ela era pequena eu lia, assistia palestras e colecionava material de vários países sobre o assunto. 

   Usando as técnicas do "Desenho Universal para a Aprendizagem" e "Linguagem Simples", construí um material com pouco texto, concreto, literal, ilustrado e de fácil entendimento, podendo ser usado por todos. 

   Sabe desenhar para entender? É mais ou menos isso. 

   Testei em casa e mandei para um grupo de mães, que mostraram para suas filhas. Toda informação de utilidade pública deveria ser assim: elaborada em comunicação simples e validada pelo público alvo. Foi o maior sucesso!

   Em março fui convidada pela APAE DF para fazer uma apresentação no Dia Internacional da Síndrome de Down e levei a cartilha. A palestra foi muito aplaudida pelas pessoas com deficiência, profissionais da instituição e familiares presentes.

   No final do evento, a psicóloga Neusa Maria veio falar comigo. Ela me disse que há 20 anos trabalhava com casos de violência contra meninas e mulheres na periferia e que nunca havia visto um material como aquele. Neusa me pediu para usar a cartilha em seu trabalho em creches, escolas, e nos atendimentos. 

   Ela se tornou uma grande parceira para a validação da cartilha e confirmou que o conteúdo servia para a aprendizagem de crianças com e sem deficiência, e mais: que as crianças estavam apontando para as imagens da cartilha para fazer denúncias. Animada com a repercussão, entrei em contato com especialistas que atuam nessa área e que concordaram em participar do grupo consultivo voluntariamente pelo WhatsApp. A cartilha também virou tema da minha pesquisa aplicada no curso de Master of Arts em Estudos da Deficiência na City University of New York - CUNY. 

   Depois de um ano de discussões, o resultado produzido colaborativamente que aqui publicamos foi testado pelos participantes do grupo em escolas, consultórios e com seus filhos, e netos em suas próprias casas. 

   Nós entendemos que a maioria dos pais não sabe como tocar nesse assunto com seus filhos. Provavelmente eles próprios não tiveram essa experiência em suas famílias. 

   Eu mesma me lembrei que quando tinha uns 9 anos, minha mãe veio falar comigo sobre menstruação. Embora fosse professora, ela estava visivelmente sem graça e querendo terminar logo a conversa. Me disse que eu estava crescendo, meu corpo estava mudando, ia sair sangue na minha calcinha, teria que usar absorvente e não deixar nenhum menino chegar perto de mim... até tarde eu achei que se engravidava beijando ou sentando no quentinho do ônibus... Anos depois, minha mãe me confessou que tinha o livro "De onde vêm os bebês?" em casa, mas que não quis me mostrar porque achava "feio" o galo trepando na galinha...

   Eu Me Protejo veio para facilitar essa conversa. Tivemos muito cuidado em escolher imagens que não constrangessem os pais ou educadores, porque se eles não tiverem vontade de ler o material com as crianças, de nada vale todo o nosso trabalho. Cada frase, cada ilustração, cada situação foi discutida com muito carinho e responsabilidade.

   A representatividade também está garantida na cartilha pelas diferentes características físicas dos personagens.

   Há muitas questões inseridas no conteúdo, como autoestima e ser responsável pelo próprio corpo. Se uma criança aprende desde cedo a dizer - Meu corpo é meu -, as chances são de que ela cresça se valorizando e possa se defender do que vier pela frente, seja um agressor na infância, um namorado violento, um chefe assediador ou um marido assassino. 

   Quando a gente se gosta, nem chega a entrar em relações desiguais e nocivas. E isso vale para qualquer um! 

   Eu Me Protejo é o nosso presente pra vocês presentearem seus filhos, alunos ou crianças que queiram proteger. 

 

   Esperamos que seja aproveitado pelas famílias, nas escolas, grupos de igreja ou qualquer lugar onde haja crianças, para sua proteção.

Com carinho,

Patrícia Almeida

Pesquisa

Eu Me Protejo - cartilha em linguagem simples para educar crianças com e sem deficiência para prevenção contra abuso sexual.

Pesquisa aplicada de Masters of Arts de Patricia Almeida - Estudos da Deficiência - City University of New York - CUNY (2020).

I Protect Myself - Education for Prevention Against Child Sex Abuse: an inclusive approach

I Protect Myself - Simple language booklet to educate children with and without disabilities about prevention against sexual abuse.

Abstract: Vulnerability of children with disabilities to sexual abuse is much higher than their non-disabled peers. The lack of comprehensive and accessible sex education initiatives are urgently needed to prevent violence and promote self-awareness, health, emancipation, empowerment, general well-being and a fulfilling life. Research to build an accessible user guide showed that there was also a lack of such material for children without disabilities. Given that, thanks to the United Nations Convention on the Rights of Persons with Disabilities, children with and without disabilities are increasingly going alongside to inclusive schools, the author used the principles of Universal Design for Learning and Easy Read to build a material that can be used for families, schools, churches, to help talk to children about sexual abuse with children with and without disabilities.

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