CB
Correio Braziliense
18/05/2021
(crédito: Gomez) Por Neusa Maria Psicóloga — especialista em saúde mental, co-fundadora do projeto Eu me protejo Imagine uma menina de oito anos sendo sequestrada, drogada, espancada e assassinada. Imaginou? Provavelmente não, porque é inimaginável e muito cruel. Infelizmente, Araceli Cabrera Sanches, com essa idade, passou por todo esse sofrimento em 1973. Seu corpo foi encontrado uma semana após o crime, desfigurado. Em sua homenagem, o 18 de maio foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
No Brasil, o abuso (violência sexual) é silenciado. E, por causa desse silêncio, crimes como o de Araceli ainda hoje continuam impunes. A impunidade garante aos agressores a certeza de que podem continuar violando os direitos das crianças e cometendo todo tipo de agressões físicas e sexuais. É necessário um trabalho de prevenção, ou esses crimes continuarão sendo perpetuados. Não falar é naturalizar. A violência sexual é a segunda maior violência cometida contra crianças no Brasil, só perde para a violência doméstica, sendo que a maioria dos casos ocorre dentro de casa. A família pode ser fator de risco ou proteção, por isso, precisamos lutar para que o tema prevenção seja inserido de forma transversal no currículo da educação básica e até mesmo no do ensino superior, preparando os profissionais.
Dados de 2018 apontam: 53% das crianças abusadas têm menos de 13 anos, 87% dos agressores são pais, padrastos, tios, ou seja, membros da própria família. Em 18 de maio, várias ações são desenvolvidas para coibir a violência contra crianças e adolescentes, mas a prevenção só é efetiva quando a violência não acontece. Todo dia é dia de combate. Prevenir é salvar vidas. A cor/raça é um marcador social. As crianças negras são as principais vítimas de violência física e violência sexual e sofrem com o acesso desigual à Justiça. A desigualdade social a que essas crianças estão sujeitas é fator que potencializa e agrava o contexto de risco e vulnerabilidade. Ser uma criança com deficiência atípica também é fator de risco. Crianças com deficiência sofrem mais violência. Violências quase nunca denunciadas ou percebidas retroalimentam o ciclo de agressividade.
A pandemia é fator de risco para as crianças, os casos aumentam e as subnotificações, também. Fatores como tensões dos pais, crianças e agressores o dia todo juntos, instituições fechadas, dificuldade de acesso a redes de apoio, brigas dos cônjuges, falta de paciência com a criança, desemprego, não ter a quem pedir ajuda, são situações que as colocam ainda mais em risco. Não tem como pensar em prevenção sem pensar no contexto, como é essa casa onde a criança fica? Como é a realidade dessa criança?
O abusador pode ser um membro da família. A criança sente-se constrangida, culpada, insegura, envergonhada, tem medo do que vai acontecer, de ser castigada, de afetar a família. É ameaçada pelo agressor, pensa que ninguém vai acreditar nela, não tem alguém de confiança para pedir ajuda. Fica exausta, com a sensação de carregar um mundo nas costas, adoece, o corpo reage à tensão e ela se tranca.
É preciso identificar os sinais de alerta. Mudanças comportamentais, apatia, atrasos no desenvolvimento, lesões, perda ou ganho de peso, insônia ou muito sono, agitação ou letargia, irritação, ser alvo de interesse repentino de algum membro da família, perda do rendimento escolar, choro fácil, perda ou aumento do apetite, comportamentos e brincadeiras sexuais, falas e perguntas incomuns para a idade, marcas físicas, infecções urinárias, agressividade, todos esses sintomas depois de descartadas causas biológicas, são indicadores de risco. Para prevenir, é preciso fortalecer os vínculos afetivos e de confiança, observar a criança, mudanças no comportamento, sempre perguntar como se sente e o que está acontecendo, ensinar à criança quais são as partes do seu corpo e as partes íntimas com nomes corretos, ensinar regras de segurança, a tomar banho sozinha, não conversar e acompanhar estranhos, não tocar, não guardar segredo, deixar claro que se acontecer alguma coisa diferente ela não será castigada, ensinar a quem pedir ajuda, a gritar bem alto caso alguém toque em suas partes íntimas, ou seja, orientar, informar, acompanhar, ensinar e denunciar.
O abusador pode ser qualquer pessoa. Segredo, silêncio, culpa e medo são alguns dos mecanismos que sustentam o abuso. Prevenir não é estimular, e é bem mais fácil prevenir do que tratar os danos depois. Lutar contra a violência sexual infantil (abuso) é uma responsabilidade de todos nós.
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/05/4925181-artigo-abuso-nao-e-carinho.html
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